O Porqueiro
Atualizado: 12 de mar.
Foi durante as férias de Verão que o conheci. Nessa altura, tinha vinte anos. Compadre Elísio, personagem icônica da cidade de Tavira. Falava pelos cotovelos, pelos ouvidos, pelos olhos, pela boca e se o deixássemos, sei lá por onde mais, mas no fundo, a despeito das excentricidades, era boa pessoa. E, sejamos honestos uns com os outros, cada um é como cada qual. Somos Deus, porventura, para estarmos aqui a julgar o homenzinho?
Alguém que me alerte, se estiver errado.
Explicando por miúdos.
O seu faro apurado conduziu-o à Quinta da Capelinha, com a intenção de propor o acasalamento entre o seu porco e a nossa porca, com a desculpa de ser uma tradição daquelas bandas. Aqui para a gente, e que ele que não nos ouça, nunca ouvi falar de tal costume, mas adiante.
O Sol já desaparecia no horizonte quando passaram pelo portão da quinta, numa antiga moto sidecar, que fazia uma barulheira infernal. "Viva!", cumprimentou, enquanto tirava o capacete da cabeça do porco, que mostrava sinais de ansiedade. Pobre animal, mas o homem lá explicou que mais valia um porco estressado, do que uma multa da polícia. Dirigimo-nos até ao curral, onde se consagraria o ato sexual. Ora, todos sabemos que as pessoas do campo tendem a abusar de uma simplicidade linguística, que as torna genuínas e especiais, mas que são capazes de ferir os ouvidos mais sensíveis, como os da mãe, quando surpreendidas com expressões deselegantes. "Dá-lhe com força, Januário" gritou ele, enquanto esfregava as mãos, com um olhar esquisito. Olhei para a mãe, cuja expressão de horror transparecia o feroz desconforto, face ao manifesto ordinário. Abanava a cabeça, obsessiva, morta por citar Michele Cúrcio, no Manual de Etiqueta (livro que andava a ler, na altura), quanto à linguagem durante uma visita a alguém, contudo, não o fez, em prol da arte de bem receber. É relevante mencionar que a mãe tinha pavor a pessoas sem polimento nos modos.
Reunidos os chicos, só nos restava esperar, mas o homem insistiu em ficar junto do casal de porcinos. Assustei-me ao ver o compadre debruçado no muro, indiferente ao risco de cair lá dentro. Tentei segurar-me o mais que pude, mas tal comportamento impeliu-me a perguntar se ele era o porqueiro, pois se guardava porcos e não uma porta, tinha de ser porqueiro, em vez de porteiro. Na verdade, até fui branda, aguentando a sede de lhe dizer que o achava mais porco que o Januário e todos os suínos das pocilgas de Portugal e do mundo inteiro. "Gosto de ver", acrescentou. Era de se esperar o choque brutal, e antes que lançasse a bomba à Joãozinha, o pai puxou-nos dali para fora, libertando a gargalhada presa, desde o momento em que o viu chegar. Olhou para mim e disse: "Entre o porco e o senhor Elísio, venha Santo Antão e escolha".
@Maria João Amaral Graça 2023
Comments