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MAIS VIVA DO QUE MORTA

Atualizado: 12 de mar.

Tomei a liberdade de pegar num acontecimento real e transformá-lo numa pequena história de ficção. Imagine o que é ter de preparar o funeral de um ente querido, sendo obrigado a gerir a dor da perda ao mesmo tempo que trata de todas as burocracias inerentes, e quando pensa que finalmente vai poder despedir-se, abre o caixão e vê um desconhecido. Infelizmente, situações como esta tendem a tornarem-se banais em Portugal.







A sala era pequena demais para a quantidade abismal de pessoas que tinha vindo para o último adeus. Familiares, amigos e até os conhecidos estavam lá para dar as condolências aos filhos de Avelina Teixeira.

— Os meus sentimentos, Gabriel. A mãe era muito nova — disse uma vizinha da falecida.

— É difícil acreditar que ela morreu — respondeu ele, com os olhos húmidos, olhando para o caixão fechado.

Gabriel era o filho mais velho de Avelina. Nunca abandonou a mãe, ao contrário de seus irmãos, que saíram cedo de casa e pouco a visitavam. Ele era o filho sempre atento às suas necessidades, mas também a sua dor de cabeça. Nunca trabalhou na vida, o que a deixava inquieta e preocupada com o que iria acontecer quando já não estivesse ali para ele.

— A mãe vai viver até aos cem, não se preocupe tanto — dizia-lhe ele, quando a via em baixo, ao que ela lhe respondia "Espero bem que sim".

Gabriel recordava as palavras da progenitora, enquanto organizava as coroas de flores que se acumulavam junto ao caixão. "Eras muito querida por todos, minha mãe" disse ele, abrindo as portadas, para olhar o seu rosto, sem imaginar o susto tremendo que ia ter.

— QUEM É ESTA? — gritou, perplexo, ao ver uma desconhecida no lugar da mãe.

Imediatamente, familiares, amigos e conhecidos aproximaram-se para ver quem era pessoa que velavam e nem conheciam.

— Como deixaste isto acontecer? — perguntou a irmã de Gabriel, num tom depreciativo, como se fosse o responsável pela troca dos corpos.

Ele limitou-se a abanar a cabeça. Afinal, onde é que ela estava quando a mãe precisou de ir ao médico? Também não quis saber qual a roupa com que a mãe seria enterrada. Até isso, teve de ser ele a fazer. Gabriel não se culparia por aquele incidente bizarro.

Nisto, pareceu-lhe ouvir uma voz familiar atrás de si. Quando se virou, ficou branco como a cal, ao ver a mãe à sua frente.

— Ouvi dizer que tinha morrido, filho! Nunca pensei vir ao meu próprio velório — disse Avelina Teixeira, mais viva do que morta.


@Maria João Amaral Graça - Março 2023


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Maria João Amaral Graça

Gosto de incentivar as pessoas a escreverem mais e a partilharem as suas histórias com o mundo.

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